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Na ressaca das eleições e da "volta à direita"

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Há mais de uma semana, estava no passeio em frente à passadeira à espera que o sinal me desse luz verde para atravessar, quando um carro engalanado com bandeiras parou junto a mim. Do altifalante, chegava Gloria, de Laura Branigan, uma canção dos anos 80, sobre alguém que é chamado a acreditar em si próprio, lutas interiores, stress, e superação pessoal, mais ou menos isso. Enquanto a canção me fazia recuar no tempo, no passeio em frente pessoas saudavam o condutor do veículo, outras gritavam Chegaaaaa! e outras ensaiavam uns movimentos de dança. A canção tomou conta da minha cabeça, andei a cantarolá-la até ser noite, sentindo certa alegria nostálgica, acompanhada por um pressentimento de que certos fantasmas do passado se fariam em breve muito presentes. Usualmente não escrevo sobre política, talvez achando que não preciso, mas a verdade é que talvez o devesse fazer. Muitas vezes uso a escrita para me ajudar a pensar melhor e nem sequer a torno pública. Há dezenas de rascunhos no bl

Bella Baxter não é uma pobre criatura

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Pobres criaturas podia chamar-se Bella Baxter. Ela é o filme. Bella é uma esplêndida criação e tem dois pais: um é o escritor escocês, Alasdair Gray, outro, o pai adoptivo, Yorgos Lathimos, um realizador que já nos habituou a filmes e personagens inconvencionais. O escritor tem formação artística, foi ilustrador e pintor, tendo realizado ilustrações para muitos dos seus livros. O filme deixou-me muito curiosa a seu respeito. Poor Things, uma comédia subversiva e absurda, onde são questionadas algumas das regras que regem boa parte da convivência humana, é um festim visual tão futurista quanto contemporâneo, combinando elementos tão diversos que me recordei de Breughel, Gaudi, do steampunk, da arte nova, ou de universos fílmicos singulares como os de Greenway, algum Burton, e até de Jeunet et Caro, que nos anos 90 também nos ofereceram uma estranha comédia bem surreal. Este delírio é acompanhado por uma banda sonora extravagante que soa por vezes a experimentalismo musical, quase for

Um hino motivacional do fitness

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O Nuno Markl tem uma rubrica, na Rádio Comercial, que se chama Rapsódias Boémias. Talvez até tenha algum programa no ar, não sei, já não ouço rádio desde que o Som da Frente acabou, pelo menos de forma deliberada. Falaram-me nisto com desprezo e é claro que fui logo ouvir. Se me dissessem que era uma pérola, eu teria ignorado. Ninguém é perfeito. Estas duas palavras, Rapsódia e Boémia, fizeram-me pensar em algo poético, improvisado, sem dúvida, animado, e com carácter boémio, ou seja, uma cena algo ramboieira, divertida. Julgava eu que o rapsodo em questão é um humorista, mas ou ele disfarça bem, ou então sou eu que não entendo o humor radiofónico. Markl limita-se a traduzir letras de canções "estrangeiras", (talvez com a ajuda do Chat GPT, porque não?) e depois recita-as com enfado, acompanhadas de comentários mandriões enquanto as canções originais tocam em fundo. (Só ouvi uma canção, posso estar a ser superlativamente injusta com o moço. Mas depois desta amostra também não

Cinema: Anatomia de uma queda

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"Às vezes um casal é uma espécie de caos." Este ano estou estranhamente desligada da corrida aos Oscars, completamente desinteressada do desfecho mas ainda assim prestando atenção à lista de nomeados e procurando ver cada filme que tem estreado. Mais do que ter achado algum filme inesquecível, tenho-me entusiasmado com interpretações excepcionalmente boas, certas personagens admiravelmente compostas. Já aqui me referi à minha predilecção pelo professor Hunham interpretado por Paul Giamatti, em The holdovers, que alguns menosprezam dizem ser apenas uma extensão dele mesmo. Algumas dessas interpretações, como sempre, estão fora da lista, como é o caso de Natalie Portman, em May December, último filme de Todd Haynes. O problema das listas, finitas por natureza, não é tanto o  que incluem, é o que excluem, por serem finitas. Os excluídos ficam na sombra dos incluídos e embora para quem goste de cinema isso não tenha qualquer importância, afloram por vezes sintomas da insatisfação

Carta aberta contra o racismo e a xenofobia: se concordas, assina e divulga

Acerca do assunto que motivou esta carta aberta, uma manifestação neonazi, leio, já depois de ter partilhado o texto da carta, que a Câmara de Lisboa não autorizou a realização da referida manifestação, com o mote Contra a Islamização da Europa, marcada para 3 de Fevereiro, na zona do Martim Moniz, em Lisboa, uma zona onde se concentram imigrantes. Li ainda que o grupo 1143 promete contestar a proibição. Este grupo é uma organização de extrema-direita, e o seu porta voz é o conhecido Mário Machado, que já anunciou, numa declaração nas plataformas da organização, uma "ação de protesto" com as mesmas motivações para a mesma data. Essa ação, que não exige a "obrigatoriedade de notificar a câmara", segundo o porta-voz, irá realizar-se no mesmo dia que a manifestação proibida pelas autoridades, dia 03 de fevereiro, às 18h00, em Lisboa.  Mário Machado, esteve associado a vários movimentos neonazis e foi condenado a quatro anos e três meses de prisão por ofensas corporais

A Lagarta do Pinheiro, Processionária, ou bicha da Quaresma

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(Alguns materiais informativos disponíveis na internet,  referentes a diferentes áreas geográficas de Portugal) A praga da Lagarta do Pinheiro ( Thaumetophoea pityocampa ), conhecida como Lagarta Processionária , tem francas possibilidades de se tornar mais frequente em virtude da redução da precipitação e do aumento da temperatura, o que favorece o desenvolvimento deste e de outros insectos. Conhecida desfolhadora dos pinheiros e cedros, (também é encontrada em abetos) o dano sucede devido à alimentação das larvas ser à base das agulhas. O seu nome provém da descida em fila indiana que a lagarta faz pelos troncos das árvores resinosas quando parte em busca de um local para se enterrar e depois transformar em borboleta. Estas lagartas, que podem chegar até aos 5 cm de comprimento, são também chamadas “quaresmas” em algumas zonas dado que esta migração acontece durante a época da quaresma. No Alentejo chamam-lhe "cobril."Durante esta “procissão” são guiadas por uma fêmea que,

Cinema : The Killer, de David Fincher

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" Siga seu plano. Antecipe, não improvise. Não acredite em ninguém. Empatia é proibida. Nunca dê vantagem. Trave apenas a batalha pela qual foi pago." The killer,   tem uma fotografia linda de morrer, uma enorme atenção ao detalhe, e é obsessivo na realização tanto quanto a personagem principal na execução dos seus assassinatos. O filme está povoado de curiosidades como a omnipresença das marcas comerciais mais populares, sinal de que o assassino faz parte de um mundo onde tudo tem um preço, referências à TV, como o uso de nomes de personagens de series de TV nas identidades que assume, ou ainda, ao cinema clássico, como o evidente Hitchcock, ou ao mundo do crime, como, por exemplo, WWJWBD, ou seja, O Que Faria John Wilkes Booth ?, sendo preciso saber que Booth foi um actor de teatro norte-americano, menos conhecido nessa capacidade do que na de assassino do presidente Abraham Lincoln.  The killer é uma história mínima, um filme quase de um homem só, apanhado no pior dia da s

Oppenheimer, o filme; Hiroxima, o livro.

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"Sabíamos que o mundo não seria mais o mesmo. Algumas pessoas riram, algumas pessoas choraram, a maioria das pessoas ficou em silêncio. Lembro-me da frase da Escritura Hindu O Bhagvad Gita: Vishnu está tentando persuadir o príncipe de que ele deve cumprir seu dever. E para impressioná-lo assume a forma de vários braços. E diz: " Agora me tornei a morte, o destruidor de mundos ." Suponho que todos nós pensámos isso de uma forma ou de outra." Oppenheimer A utilização das bombas atómicas em cidades e civis, em Hiroxima, a 6 de Agosto, e três dias depois na cidade industrial de Nagasaki, foi justificada pelos responsáveis como necessária para pôr fim à guerra no Pacífico, e ainda como retaliação pelo ataque japonês a Pearl Harbor. Sem a bomba o Japão teria sido invadido pelos aliados o que teria acarretado enorme perda de vidas. Assim se precipitou a II GG para o fim. Por outro lado, a bomba intimidaria a União Soviética. Mas Hitler já estava morto e os japoneses estari

Leave de world behind - o pior filme de 2023

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O Sam Esmail fez Mr. Robot e então a gente pensa que Leave the world behind podia ser um filme estranho e interessante, mas é apenas patético. Se estas breves linhas têm algum propósito é o de vos alertar para que não percam tempo com ele. E parece que há um livro. Eventualmente o livro poderá ser melhor, quem sabe? Não será difícil ser melhor, eis a verdade. O casal Obama deve estar satisfeito por ter financiado o filmito, chegou a número um no Netflix. Mas não se deixem impressionar por isso. Podem querer vê-lo, o filme, por ter gerado muito comentário na internet. É cada vez pior dar atenção ao "falatório" nas redes. Até parece que a malta recebe dinheiro para tecer elogios! Podem querer vê-lo por serem fãs da Julia Roberts - eu nunca fui e nunca serei, mesmo se gostei de a ver dar corpo a uma ou outra personagem. Podem querer ver este filme anedótico por gostarem do Ethan Hawke. Primeiro eu não lhe ligava grandemente, depois passei a apreciá-lo. De facto, olha-se para os

Cinema: The holdovers vai ser um clássico de Natal

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  Até aos Reis, se ainda não estiverem empanturrados de Natal, podem aproveitar o embalo e ver um filme - Os excluídos - que, acredito, se tornará um clássico da época. Para mim, era uma escolha fácil: Alexander Payne, o realizador, e Paul Giamatti, de novos juntos depois de Sideways! Paul Giamatti tem acumulado personagens e interpretações sempre notáveis ao longo da sua carreira. O seu odiado professor de história clássica, Hunham, é apenas esplêndido. Mas os outros envolvidos também não desmerecem. As personagens, sobretudo estas, e a história, ainda que previsível, ainda que sem re-invenções, crescem em nós devagarinho. Primeiro estranham-se, depois...A neve acumulada nas ruas, nas árvores e telhados, é linda, a recriação dos anos 70 perfeita. A história dos três solitários que têm de conviver à força e aprender a viver uns com os outros, navegando pelas suas inseguranças e segredos, perdas que os marcaram, apresenta-se também como crítica ao privilégio social. É uma comédia dramát